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Foto do escritorAlfio Rossi Junior

Febre!

Atualizado: 9 de ago. de 2023






A temida febre!


O tema que escolhemos para começar nossas publicações é a febre, já que é uma das principais causas que levam os pais e cuidadores de crianças aos serviços médicos.

O aumento da temperatura corporal costuma trazer muita preocupação e medo para as famílias. O fato é que esta preocupação não se baseia em dados científicos, mas sim em crenças populares que se perpetuam há séculos, passando entre gerações (inclusive entre profissionais de saúde).


A essa preocupação excessiva com a febre e seus efeitos chamamos de febrefobia e tem como causas não só a falta de conhecimento científico atualizado, mas também fatores sociais e emocionais. No Brasil é bastante frequente.

Reconheço essa fobia como causa de sofrimento para as famílias e quero ajudar, trazendo informações técnicas para que consigam olhar para o que está de fato acontecendo com a criança como um todo, tirando o foco excessivo na temperatura corporal.

Assim, poderão decidir com serenidade se precisa medicar e qual o momento certo de procurar ajuda médica.


O que é a febre?


Ao contrário do que se pensava até o século passado, hoje entendemos que a febre é um sinal de que o nosso organismo está desenvolvendo um processo inflamatório.

Na maior parte das vezes que uma criança tem febre essa inflamação é desencadeada por uma infecção por vírus ou bactérias. Nestes casos a febre seria uma adaptação do nosso corpo para ajudar a combater a infecção, assim como a falta de apetite e a sonolência.

Existem as febres causadas por doenças reumatológicas, câncer ou outras inflamações, mas esse é um capítulo à parte e são a minoria dos casos em crianças. O médico vai cogitar essas causas em situações bem específicas, principalmente nas febres prolongadas (que duram semanas) ou quando a febre é acompanhada de certos sintomas (por ex: hematomas, inchaço nas articulações, manchas na pele...)

Uma informação importante é de que a febre é um fenômeno controlado pelo nosso organismo. Antigamente se acreditava que se a febre não fosse medicada, a temperatura subiria até 43ºC e a criança teria convulsões ou até poderia morrer por isso.

Hoje sabemos que não é assim. No nosso cérebro, em uma parte chamada hipotálamo, funciona um centro termo regulador (como um termostato). O hipotálamo envia sinais ao restante do corpo, “mandando” a temperatura subir até o nível desejado para ajudar a combater a infecção e depois de algum tempo o hipotálamo manda a “ordem” para baixar a temperatura.

Tudo isso acontece mesmo quando não medicamos a criança. E pode acontecer várias vezes ao dia. O fato de a febre voltar ao longo do dia não significa que a doença é mais grave.

Mas como o corpo controla tudo isso?


Como o nosso corpo “esquenta” e “esfria”?


Hoje vamos conversar sobre os mecanismos que o corpo humano usa para aumentar a temperatura e chegar até a febre.

Lembrando que tudo isso é controlado pelo nosso “termostato”, chamado hipotálamo, que fica no cérebro.

Podemos dividir a febre em 3 fases:


· A fase de aumento da temperatura

· A fase de estabilização

· A fase de diminuição da temperatura


Na fase inicial da febre, quando a temperatura está subindo, a pele fica fria, pois o sangue é direcionado para os órgãos internos. Este fenômeno, chamado vasoconstricção, é mais intenso nas extremidades, por isso as mãos e pés frios.

Com isso, o corpo reduz a perda de calor, aumentando a temperatura interna. Ao mesmo tempo, aparecem os “calafrios” que são contrações musculares (tremores).

A contração dos músculos é uma forma de produzir calor (lembre-se de como você esquenta quando faz atividade física) e com isso aumentar a temperatura corporal. Mas também é desconfortável.

Na fase final da febre, quando o cérebro “manda” o corpo esfriar, a forma disso ocorrer é com a dilatação das veias da pele, chamada vasodilatação. Nessa fase a pele fica quente e vem o suor. Quando o suor evapora, a pele esfria e consequentemente o corpo volta à temperatura normal.

Mas afinal, qual é a temperatura normal? Qual o melhor jeito de medir?


Qual o melhor termômetro para medir a febre? 37ºC é febre?


A temperatura normal do interior do corpo humano fica entre 36,5 e 37,8 oC, mas no dia a dia não medimos a temperatura no interior do corpo, pois isso exigiria um termômetro especial, colocado no esôfago ou em um cateter no coração (isso é feito em pacientes hospitalizados, em algumas situações)

No Brasil o local mais usado para medir a temperatura é a pele e em segundo lugar a orelha (timpânica). Outros países utilizam a temperatura retal e outros a oral, ambas com dificuldades técnicas em pediatria.

Para cada local de medida os valores considerados “normais” variam.

Temperaturas medidas na pele (axila) de até 37,2oC e no tímpano de até 37,5oC são consideradas normais para a maioria dos especialistas.

No caso da medida na pele, quero salientar que as medidas são muito imprecisas. Os pais costumam relatar que cada termômetro marca uma temperatura diferente e ficam angustiados por não saber o valor “exato” da temperatura da criança.

Toda essa imprecisão se explica pelo fato de que a pele é um dos órgãos utilizados pelo nosso organismo para regular a temperatura interna, conforme explicamos no post anterior.

Já a temperatura timpânica é mais precisa e se relaciona melhor com a temperatura interna. Por outro lado, não é tão fácil de medir em crianças e pode ser afetada pelo mau posicionamento do termômetro ou pela presença de cera no conduto auditivo externo.


Causas de temperatura alta em crianças


Em humanos, nem todo aumento de temperatura é chamado de febre.

Existe uma situação bem específica, que não deve ser confundida com febre, que é a Hipertermia.

Nesta situação a temperatura corporal está mais alta devido ao ganho de calor externo, como quando uma criança fica “esquecida” por muito tempo dentro de um carro fechado sob o sol, após a prática de exercícios físicos muito intensos (maratona, por exemplo) ou consequência do uso de algumas drogas ilícitas.

Nesta situação a temperatura corporal pode ultrapassar a marca do 42oC e pode causar graves consequências, inclusive a morte.

Embora a temperatura corporal esteja alta, não deve ser tratada com medicamentos antitérmicos e sim com a retirada imediata da criança do local hiperaquecido e medidas físicas de resfriamento corporal, de preferência no hospital, sob supervisão médica.

Por se tratar de condição potencialmente grave, que não é controlada pelo nosso corpo, é importante buscar socorro médico o mais rápido possível.

Voltando a falar da febre, esta sim, que é controlada pelo nosso “termostato cerebral”, vamos usar uma classificação didática.

A classificação da febre em categorias nos ajuda a definir o que fazer em cada situação. Costumamos usar os nomes:

· Febre com sinais de localização

· Febre sem sinais de localização

· Febre de origem indeterminada

A situação mais comum em crianças é a febre com sinais de localização. Neste caso a febre costuma durar poucos dias e não costumam ser necessários exames laboratoriais. O exame clínico feito pelo pediatra é suficiente para definir o diagnóstico e indicar o tratamento.

Porém, nas outras situações descritas podem ser necessários exames e vamos falar disso no tópico a seguir.


Quando é preciso coletar exames para investigar a febre?


A maior parte das febres que acontecem em crianças pode ser classificada como febre com sinais de localização.

Isso significa que ao longo dos primeiros três dias de febre os pais ou o pediatra conseguem facilmente identificar qual é a origem.

São as infecções respiratórias virais (gripes e resfriados), intestinais (diarreias), exantemáticas (catapora, roséola...) e outras doenças não graves e que se resolvem em poucos dias. Normalmente o diagnóstico é feito só pelo exame físico do pediatra.

Também estão nesse grupo a pneumonia bacteriana e as infecções urinárias. Para confirmação destas doenças podem ser necessários exames, como de urina, sangue ou radiografia do tórax.

Nos casos de febre sem sinais de localização, quando só pelo exame físico o médico não consegue fazer um diagnóstico, o momento de pedir exames complementares varia em função do estado geral da criança e principalmente da idade.

Em bebês recém-nascidos é indicado fazer exames logo no início da febre. É importante procurar ajuda médica rápido e não esperar aparecer o foco, como fazemos em crianças mais velhas.. São exames de sangue, urina, RX dos pulmões e eventualmente liquor.

Por outro lado, em crianças maiores, em bom estado geral, podemos aguardar 72 horas antes de pedir exames laboratoriais, pois na maioria das vezes, nesses três dias vai aparecer um foco para essa febre

Já nos casos de febre de origem indeterminada, temos uma outra situação. São casos mais raros, de febre prolongada (semanas), nos quais o exame físico não evidencia o foco. Neste grupo estão algumas infecções, como osteomielite, as doenças reumatológicas e as neoplasias. Para esta investigação geralmente o pediatra solicita a ajuda do infectologista. Juntos eles vão solicitar exames laboratoriais em etapas, aprofundando cada vez mais a investigação até esclarecer a causa da febre.

Será que a febre pode ser boa? Vamos falar sobre isso ali embaixo!


A febre pode ser boa para o nosso corpo? Precisa medicar sempre?


No post anterior comentamos que a causa mais comum de febre em crianças são as infeções virais, que geralmente não são graves. No futuro vamos explicar a diferença entre infecção viral ( a famosa “virose”) e bacteriana.

Para combater estes vírus o nosso corpo tem vários mecanismos de defesa e sabemos que a febre aumenta a eficiência destes mecanismos.

Por exemplo, a febre faz com que alguns glóbulos brancos, chamados de neutrófilos, consigam ser mais eficientes para capturar e destruir os vírus que estão no nosso corpo. Os anticorpos também funcionam melhor.

O inverso também já foi demonstrado em estudos: eliminar a febre é prejudicial no combate a essas infecções.

Em alguns países do Oriente Médio e da Ásia se utilizam compressas quentes para trazer conforto às pessoas com febre. Esses povos fazem isso tradicionalmente há muito tempo.

Mais recentemente, em nosso meio, estudos cientificamente bem conduzidos sugerem a utilização do calor (cobertores elétricos ou bolsas quentes) como uma forma de abordar crianças com febre, diminuindo o desconforto da fase de subida da temperatura e chegando mais rápido à fase de estabilização da temperatura.

A partir de todas essas considerações a mensagem que fica é que a febre moderada, causada pelas infecções comuns do dia a dia é benéfica e vai se resolver espontaneamente. Por isso, não precisa necessariamente ser medicada.

Tenho certeza que muitos devem estar se perguntando: A febre pode ser benéfica, mas não tem perigo de Convulsão febril?


Febre causa convulsões?


As crianças que tem epilepsia podem ter crises convulsivas desencadeadas por febre e também podem ter crises convulsivas sem febre.

Crianças com meningite podem ter convulsões, pois a meningite é uma infecção com inflamação do cérebro, e também costumam ter febre, pois a meningite é uma infecção.

Crianças com doenças neurológicas que dão convulsões podem desenvolver sequelas permanentes, independente de ter ou não ter febre.

Todas as afirmações acima são verdadeiras, mas nenhuma dessas situações é a Convulsão febril simples.

No século passado todas essas situações eram confundidas entre si e por isso temos as informações passadas entre as gerações de que a convulsão febril é grave, deixa sequelas, retardo mental, etc etc.

O fato é que a Convulsão febril simples não é assim embora seja parecida com qualquer outro tipo de convulsão generalizada (como na epilepsia, na meningite...).

Ao contrário das outras que citamos, a Convulsão febril simples tem idade certa (de 5 meses a 5 anos de idade), tem curta duração (cerca de 5 minutos), melhora espontaneamente e acontece em uma criança saudável, sem outras doenças neurológicas. Ela não deixa sequelas, nem retardo mental e não predispõe à epilepsia.

Por isso tudo dizemos que ela é benigna, embora muito assustadora para as famílias. É importante explicar que a convulsão não é causada por febre alta, como se pensava. Há uma predisposição genética facilitadora e cerca de 2 a 5% das crianças vão ter convulsões febris simples (e 98% não vão ter!!). Quem tem essa predisposição pode convulsionar com qualquer grau de febre (e quem não tem (98%!!!) pode ter 40oC de febre que não vai convulsionar por isso.

A causa mais comum da convulsão febril simples é a febre das infecções virais ou reação vacinal. Entre os vírus, o mais frequentemente envolvido é o Herpes 6, que é um dos causadores da Roséola, da qual falaremos em outra oportunidade.

Como a convulsão febril assusta as famílias, é normal que procurem ajuda no Pronto Socorro. Em geral não são necessários exames complementares, mas podem ser indicados, dependendo da idade e do exame clínico. Também não é necessário medicar, pois na quase totalidade dos casos, a criança já chega ao hospital sem convulsão.

Os casos que se manifestam de forma diferente desta que descrevemos, por exemplo, quando a convulsão dura mais do que 15 minutos, acomete uma criança fora da faixa etária ou se repete diversas vezes, merecem uma investigação mais aprofundada, podendo ter outro diagnóstico que não “convulsão febril simples”.

Os estudos já demonstraram que dar antitérmicos de forma compulsiva não evita a convulsão febril, já que esta ocorre habitualmente no primeiro episódio febril, antes mesmo que os pais percebam que a temperatura está subindo.

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